Friday 4 October 2013



Estamos no pátio do solar que já deve ter sido bem mais bonito do que é. Estás sentada de frente para mim. Pegas na chacana que tens ao pescoço, essa cruz de madeira americana comprada já não sei onde, atada num cordão de sapato - lembras-te? Dizes, enquanto a chacana pendula entre nós:

-Noutro dia achei que tinha perdi isto. Procurei por todo o lado e não a encontrava. Fiquei tão triste. Só quando deixei de a procurar é que a encontrei.

Foi uma semana difícil, estou com a cabeça para lá do Pinhão. Nem reparo que estou a ouvir o que tu estás a dizer, respondo só por uma questão de educação:

-Há coisas assim. - Tu aproveitas o ressalto. 

-Há. Como o amor. - Nem sei se é verdade; ainda não tinha pensado nisso. Provavelmente estava a tentar não pensar mas o remate faz-me rir e não havia nada no mundo que eu precisasse mais.

Ainda estamos no Douro. O dia está perfeito: não há uma nuvem, o rio compete com o céu para ver quem está mais azul e só os arcos traçados pelas andorinhas quebram o sossego imposto pelas encostas deste velho vale cego, surdo e mudo. Há tardes de sol que duram para sempre e esta é uma delas. É Domingo.

-A três degraus do céu,
Ilustrração Catarina Peres de Fraipont

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