Friday 18 October 2013

Fileiras de frascos verdes rotulados, alinhados nas prateleiras de madeira grossa, dura e escura, coberta por camadas de patine que dois séculos de uso lhe deram. Um armário só com pincéis de texugo e umas caixinhas vermelhas de crayons esterilizantes. Uma mesa de sabonetes embrulhados em papel; os embrulhos todos diferentes, uns em padrões florais, outros em tons doces e esbatidos. Uma pequena mesa em que estão expostos frascos enormes de vidro com perfumes artesanais.

Eu já tenho tudo o que preciso, já estou de saída quando entra um homem de fato desbotado, cabelo oleoso, sapatos brilhantes, óculos dourados. Carrega um dossier debaixo do braço. O trabalho do homem é ir visitar farmácias. Pode ser do sindicato, pode ser do governo: não sabemos, não perguntámos. Conta à senhora do balcão que se suicidou o dono doutra farmácia. Encosto-me logo ao balcão para não perder a história.

- E a farmácia dele era bem grande. Era uma coisa de impor respeito. Não era aí nada de pequeno. Era grande. E existe desde que eu me lembro; já era do pai dele. Mas diz que estava com uma grande depressão.

- Veja lá.

- Ninguém deu por isso. Nem a mulher, nem nada.

- Os tempos não estão fáceis.

- Nada. A contar com os outros dois, já é o terceiro este verão.

- Veja lá.

- É verdade. Um balázio na testa, terça-feira à noite.

- Se em vez de se andarem por aí a matar, pegassem mas é nas armas e fossem para Belém.

- Como nos Estados Unidos? - Pergunto. Já estou tão em casa que estou practicamente sentado em cima do balcão de vidro onde estão expostos os pentes. Responde-me a farmacêutica:

- Sim, mas em vez de irem às escolas, podiam mas é ir à assembleia. Fazer tiro ao alvo.

Aquela anarquista de bata branca sonhava com 1908. É normal a gente ter saudades dos tempos que não viveu: especialmente em tempos como estes que correm, em que tudo está mau e parece que vai piorar.  Dizem até que vai chover este fim-de-semana - veja lá.

Ler Bakunin na Baixa de Lisboa
Quinta-Feira, 17 de Outubro
Fanqueiros, Lisboa

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