Friday 1 November 2013

Há três semanas atrás, a polícia passou um dia inteiro à frento da padaria, mesmo ali do outro lado da viela. Já estava a caír a noite quando eu, ao saír de casa, dei com o vizinho sentado no passeio junto ao agente que estava de guarda. Um ombro sobre a coxa e a apoiar o queixo com a palma da mão, ele estava a ouvir três velhas que falavam à vez e se completavam umas às outras.

Eu perguntei-lhe se estava tudo bem e ele disse que a sua cunhada tinha aparecido morta no apartamento em que vivia com os pais. As Moiras diziam:

- Pois é,
- A nossa única certeza,
- É mesmo essa.
- Que se entramos, depois temos de saír.
- E há formas piores de se passar para o outro lado.
- Ela agora vai finalmente descansar.

 A mulher nunca tinha sido muito estável, sofria de quatro ou cinco condições psiquiátricas e naquela manhã tinha tomado todas as pastilhas que tinha por casa. O milagre da medicina moderna é mesmo esse: há comprimidos que, na dose certa, curam tudo. 

Dez dias depois, num Domingo, estava aí a polícia a entrar e a saír do nosso bairrinho. Vários agentes subiam e desciam a viela de luvas descartáveis nas mãos. Estavam as velhas todas penduradas nas varandas. Fomos perguntar à nossa fonte do costume o que é que tinha acontecido.

Ele estava a falar com um casal com um ar muito respeitável, quase académico, ligeiramente burguês, muito Lisboeta.

-Foi mais um que decidiu ir de férias cedo.- Disse o senhor simpatico. A mulher com quem ele conversava é que nos contou os pormenores:
-Parece que se matou Sábado, mas só deram com ele Domingo. Talvez Sexta, que os vizinhos não o ouviram durante dois dias. Deram com ele enforcado no quarto. Ficou com os pés só a dois centímetros do chão. É que o andar era baixinho e ele era um senhor muito alto. É o problema destas casas, não é?

Nunca me tinha ocorrido antes, mas dei por mim a concordar com ardor.

-Mas não têm de se preocupar muito com isso,- garantiu o terceiro, um senhor de cabelo branco e colete tricotado - não é contagioso.

Há muita coisa que não falta em Lisboa. Há um taxista psicopata em cada esquina; há dois vendedores de droga em cada rua (-um dos da minha tentou comprar-me a pulseira de ouro falso); há três pedintes por quarteirão e há uma porrada de suicidas. Não é só os farmaceuticos. O velho que diga o que quiser, mas eu começo a suspeitar que isto é epidémico.

"a mim primeiro, e a ti depois"
Outubro em Alfama

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