desnortear da agulha
Tuesday 9 August 2016
O Barbeiro Brasileiro ficou todo contente quando soube que o homem na sua cadeira era advogado. O outro, já sentado, quase deitado, com uma barba de espuma na cara, tinha todas as razões para ficar desconfortável: há muito poucas pessoas no mundo que um gajo quer tão pouco ver entusiasmado ou exaltado do que um barbeiro de lâmina na mão.
-'cê nem vai acreditar, mas eu tenho um caso p'rá lhe contar.- Começou. Estava envolvido num processo, já se tinha informado. Já era praticamente advogado.
O Brasileiro tinha uma barbearia em Matosinhos, tinha falado com uma suposta comercial que lhe tinha montado um wifi hotspot que não precisava de contrato. Ele, passado uns meses, fechou o hotspot e a empresa pediu-lhe para pagar o que faltava da fidelização de um contrato que supostamente nunca foi assinado.
-Eu vou ganhar, né?
Afinal de contas, perguntava, como é que era possível perder? Eles nem encontravam o contrato, como o podiam cobrar?
O problema, claro, é que o estavam a cobrar. Tinham lhe pedido €300, mas com os juros já estavam a pedir 500. Como ele não pagava, puseram-no em tribunal, e o nome numa lista de devedores. Ele tinha fechado a barbearia só para conseguir o apoio de um advogado e ia levar isto até ao fim.
Alimpar a espuma da lâmina no rolo, dizia que só podia ganhar. - E quando ganhar, vou pedir ó senhor juiz: me mude de nome.
O advogado, que ainda não tinha conseguido falar, interviu:
-Pode ganhar, ou não ganhar, mas acho que não o vão deixar mudar o nome.
Vê-lo a contradizer um homem que lhe estava a segurar no maxilar com uma mão e numa lâmina afiada com a outra, - impressionou.
Mas o Brasileiro não cedia. Tinham-lhe manchado o nome, "e há coisa pior do que nome sujo?" Não há. Os amigos já gozavam com ele quando o viam, já lhe escreviam acusações no facebook. Não, o nome já não estava limpo, o Brasileiro queria um nome novo - e iam ser eles a dar-lho.
Talvez o do seu pai, explicou, já a acabar. Nasceu sem o nome do pai, e se o dele estava sujo, gostava que lhe dessem o nome do pai. Era muito importante para ele. Dizia, algo ironicamente, que seria legal.
E sem ninguém perguntar, o Brasileiro adiantou o nome do pai que queria tanto agora assumir como o seu:
-Miguel Relvas.
Ainda pensei em dizer alguma coisa, em o avisar. Mas não. Já estava despachado, tinha ouvido uma boa história, paguei, e saí. Quando este processo chegar a tribunal, vai dar bons artigos.
Watch this space.
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Av. da Boavista, Porto, Portugal
Monday 27 June 2016
Vocês sabem como eu me vendo: eu não me canso, não me queixo, não durmo, não penso, não choro. Se calhar não compram este peixe todo. Mas jogamos aquele jogo em que vocês quando desconfiam não dizem nada, porque o espetáculo depende de que não esteja ninguém a espreitar por trás do palco.
(Agradeço já essa delicadeza, pessoas.)
Hoje vamos jogar um jogo diferente: eu vou mostrar tudo o que tenho nas mangas, mas tu tens de prometer que amanhã ou já te esqueceste, ou vais fazer de conta. E não contas a ninguém que queira comprar bilhetes para a próxima sessão.
Foi um ano duro. Acho que não me queixei muito, não dormi nada, mas cansei-me qb., pensei demasiado, chorei às vezes (p'raí uma, vá). Atirei cadeiras à parede. Provei o fundo de mais garrafas do que devia.
No meio disto tudo, não tive muito tempo para mim - e não tive tempo nenhum para vários de vocês. Houve menos jantares, conversas, skypadas do que devia ter havido. Falhei três, talvez quatro aniversários de que não me vou desculpar (nem, se calhar, ser desculpado). Deixei amigos à deriva no Porto, em Lisboa e um pouco por todo mundo.
Isto não foi só idade (que me apanhou com força, como eu suspeitava, assim que parei de fugir dela), nem só trabalho. Também foi um pouco feitio.
Enfim. Hoje saio de um fim de semana daqueles: ainda não estou à tona, mas já vejo o sol a brilhar do lado de dentro das ondas. A água à minha volta já é todo um outro tom de azul. Parece-me que estou a chegar à tona.
E se lá chegar, prometo que arranjo mais tempo para vocês - se me deixarem também deixar um pouco mais tempo para mim. Talvez até dê, entre uma coisa e a outra, para dar algum tempo para ressuscitar este blog.
Talvez, só, que já chega de promessas!
-Coming Up For Air
Sunday 20 March 2016
A Gulbenkian - museu e fundação - não é um sítio a que se vai para ser bem tratado. Afinal de contas, não é um hotel, nem um bordel.
Uma pessoa vai à Gulbenkian para desenvolver cultura. E a cultura, a nossa cultura, partilha-se de cima para baixo. A Gulbenkian - museu e fundação - assume isto em todo o seu DNA.
Da última vez que lá fui, pedi direções a um dos seguranças. Exigiu "mais respeitinho, se fáchavor." Eu, atrasado, aproveitei logo uns bons três minutos a ser educado. Aprendi principalmente que nunca mais me perco naqueles jardins.
Hoje, a senhora da bilheteira não sabia quais eram as exposições que estavam a decorrer. Explicou-me que eu devia ter estudado estas coisas antes de aparecer lá à porta, à espera que as pessoas do museu soubessem o que é que o museu continha. "Faz o teu trabalho de casa, filho." Ou seja: ensinou-me a vir mais preparado. Lições para toda a vida, eu sei.
Na cafetaria aproveitaram que eu estava distraído para me expor a mais um bocadinho de cultura. Sentei-me às seis menos dez para beber chá. Tinha saído da exposição da coleção inglesa, um chá às seis era praticamente obrigatório. Vá, não me julguem, deixem-me continuar.
Às seis menos cinco, o chá ainda estava quente de mais para ser bebido, e sem palavra nenhuma, com a sala toda cheia, desligaram as luzes todas. Muitas discotecas em Matosinhos fecham a noite com mais jeitinho.
Ainda não sei bem qual foi a lição deste terceiro episódio. Talvez tenha sido de que de vez em quando temos de fazer decisões difíceis (neste caso ilustradas pelo momento em que o protagonista tem de escolher entre sacrificar o chá que acabou de comprar ou consumir aquilo que pagou sabendo que seria ao mesmo tempo justo e altamente doloroso).
Mas não tenho a certeza. Acho que isso também faz parte. A arte contemporânea joga muito com aquela "sensação batidos de químio" - não sabemos bem o que é mas temos a certeza que nos faz bem. Faz parte: se a arte tivesse sempre uma lição ou moral explicita, chamávamos-lhe educação.
E eu se quisesse educação, tinha ido a Serralves.
Gulbenkian, museu e fundação: Uma instituição Lisboeta
(19 Março)
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Lisboa
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Saturday 26 September 2015
Vi 50 caloiros de orelhas de burro num circulo fechado. Um miúdo pequeno e magricelas, fazia-se passar por duas coisas que não era - homem e doutor. Berrava a um outro de orelhas de burro na cabeça:
-Eu disse faz-me um broche. O que é que eu disse?
O segundo puto corava e gaguejava. 49 burros não diziam nem faziam nada. Pôs-me a pensar.
O Einstein supostamente disse aquela frase dos peixes que não trepam às árvores e um amigo meu vivia com terror de um dia de exame acordar com diarreia. O exame é um método de avaliação altamente aleatório. Não distingue os marrões dos batoteiros, os espertos dos estudiosos.
Por isso é que eu gosto da praxe: as aulas ainda não começaram e já se sabe perfeitamente onde é que se encontram os burros.
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Portugal
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Cais do Sodré, 1200-161 Lisboa, Portugal
Sunday 6 September 2015
Cara Control,
Tenho uma ideia de negócio.
Ideia essa que precisa de alguma segurança. E como não há marca que dê
mais segurança do que a Control, acho que vocês deviam ser os primeiros a
ouvir.
Os sabores básicos estão gastos. São
muito anos 90. Hoje, o tradicionalismo explode: renascem os sabores e as cores típicas Portuguesas.
E por isso Control, proponho uma gama Premium de preservativos de sabores Gourmet.
Algumas das ideias incluem:
- queijo fresco com doce de abóbora
- alheira
- marmelada com banana
- amêijoas à bulhão pato
- frango no churrasco com piri-piri
Tenho muito mais ideias e gostava de uma oportunidade de me encontrar convosco para as discutir.
Muito obrigado pela atenção,
Francisco Peres.
(Criatividade & Coisas)
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Correspondence and Old Letters,
Portugal
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Altura, Portugal
Tuesday 30 June 2015
(foto: Gonçalo Borges Dias) |
Na Barbearia Campos é tudo branco: as paredes, as madeiras, as toalhas, as batas, a luz, até o cabelo do barbeiro. Quando um homem te está a rasgar barba e espuma da cara com uma lâmina, guiado pela ponta dos dedos, tu sabes exactamente quando é que ele está ou não está a prestar atenção. E por um segundo, o homem que já leva dez anos de casa, está a olhar lá para fora e a pensar noutra coisa. Quando recomeça, diz:
"Passa aí cada miúda. É com cada vitelão. Então com este calor. Ai. Eu só tenho pena é de uma coisa: não ter a vossa idade, e não ser solteiro."
Na Barbearia Campos,
29 de Junho
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